Bethlem e Moura podem ser apenas filhotes nesse imenso zoológico brasileiro de aves de rapina
Mesmo quem não sabe o significado de “fundo abutre” é capaz de deduzir o espírito da coisa. Abutres se alimentam de carniça. Se a Argentina de Cristina Kirchner tivesse uma economia vistosa e saudável, não haveria títulos podres atraindo esse bando de aves de rapina. É simples assim a natureza. Onde não há mau cheiro, não chegam abutres. E eles não costumam ser bonzinhos.
A fórmula kirchnerista – mistura de populismo e corrupção, nacionalismo e ineficiência, arrogância e censura – deixou nossos hermanos vulneráveis. Nem Messi nem messias salvam a Argentina enquanto essa senhora excessivamente maquiada e seus seguidores estiverem no poder. A destruição da economia argentina começou em casa.
Os abutres não têm pátria nem mátria. Estão por todo lugar. São aves grandes e pesadas, primas dos urubus. Têm cauda pequena, normalmente são desprovidos de penas na cabeça, vivem até 30 anos em cativeiro. Sobrevivem graças a restos de animais mortos. No dicionário informal, adaptado a nosso cotidiano, abutre já é usado também, como metáfora, para definir o “político voraz, que nunca se contenta com os ganhos”.
Essa última espécie tornou-se tão comum no Brasil que acabou por contaminar o ambiente que respiramos ou nossos sonhos de um país melhor, mais ético e menos canalha. Quando um político responsável por “choque de ordem”, como o deputado federal Rodrigo Bethlem (PMDB-RJ), é denunciado pela ex-mulher por toda sorte de falcatrua com o dinheiro público, o eleitor se sente tratado como carniça, bicado de todo lado.
Desistir da reeleição “para cuidar da família e de sua defesa” é suficiente para Bethlem? Não achamos suficiente. Só um político predatório tenta resistir no cargo depois de tantas evidências. Só um deputado com imensas asas insinua que a ex é louca, depois de o país inteiro escutar sua voz listando as mesadas de uma ONG – graças a gravações reveladas por ÉPOCA na semana passada (leia novas denúncias contra ele aqui). Mesadas recebidas quando era secretário de Desenvolvimento Social.
Os abutres não escolhem partido. O diretório do PT de São Paulo aprovou, na sexta-feira, expulsar do partido o deputado estadual Luiz Moura. Ele é suspeito de lavar dinheiro para uma facção criminosa, o PCC, comandada a partir de presídios paulistas. Moura esteve numa reunião com membros do PCC e representantes de cinco empresas e cooperativas de transporte paulistanas. Ele nega malfeitos.
Sonho com o dia em que a imprensa consiga provas contra todas as aves de rapina alimentadas pelo setor de transporte do Brasil – em conivência com autoridades estaduais e municipais.
Bethlem e Moura podem ser apenas filhotes, ou aprendizes de políticos abutres, nesse imenso zoológico brasileiro que tira braço, perna e coração de eleitores. A questão não é o que fazem conosco, mas o que fazemos com o que fazem conosco. A citação, do existencialista Jean-Paul Sartre, ajuda a refletir sobre a triste ligação entre os abutres e suas vítimas, sem capacidade ou vontade de reagir.
Quando leio que Garotinho ou José Roberto Arruda lideram as pesquisas para os governos do Rio de Janeiro e de Brasília, penso que o brasileiro parece ter vocação para carniça. Só o masoquismo, a falta de consciência política ou a obtenção de vantagens pessoais explicam a sobrevivência de tantos abutres encastelados no Congresso e nos governos. São clãs e oligarquias que não perdem apoio do eleitorado regional, mesmo denunciados por improbidade.
“Do ponto de vista da consciência cidadã, só tenho a lamentar que ainda perdure o princípio do ‘rouba, mas faz’ ”, disse ao jornal O Globo o cientista político Paulo Kramer, ex-professor da Universidade de Brasília. “A ética não é uma questão decisiva para eleger ou deixar de eleger no Brasil.”
O Brasil tem 14 mil políticos e agentes públicos condenados nos Tribunais de Justiça. Caso sejam candidatos, deveriam ser impedidos de disputar as eleições. São os fichas sujas, apenas os flagrados. No Brasil, mais de 30 partidos disputam uma boquinha nas eleições. É demais. Esse quadro desalentador é a causa do desencanto juvenil com a política. Em quatro anos, de 2010 para cá, caiu 31% o número de eleitores jovens no país.
Falar sobre os políticos abutres não é um convite ao pessimismo, mas à luta contra a alienação e o conformismo. Soubemos pela presidente Dilma Rousseff que ser pessimista é “inadmissível” num país que, apesar de ser “a sétima economia do mundo”, tem indicadores sociais e humanos de país subdesenvolvido, bem atrás dos hermanos argentinos. Sejamos otimistas, mas não resignados. Não nascemos para carniça.
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