domingo, 6 de julho de 2014

O mata-mata depois da Copa

Não dá para não ler, muito menos não repassar os artigos de Ruth de Aquino todos os finais de semana na revista Época.

O eleitor consciente não quer um presidente que pense e aja como o técnico Felipão

RUTH DE AQUINO
04/07/2014 21h55
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Que país é este que melhora quando tudo para, e a bola rola? Os crimes quase somem, só se pensa positivo, o trânsito flui, os homens choram mais que as mulheres, e o Brasil dá ao mundo uma lição de civilidade e bom humor, ao reverenciar craques de fora e confraternizar entre si e com estrangeiros. O povo se dedica a torcer e festejar, mesmo quando a Seleção decepciona. Hospedar celebrações é uma vocação nacional.

Não é, porém, o futebol que determinará o perfil deste país nos próximos quatro anos. Manter ou mudar? E mudar quem, quanto, onde, com que velocidade para ajudar o Brasil a competir sem vexame em educação, saúde, transporte, segurança, meio ambiente e infraestrutura? O mata-mata eleitoral depois da Copa, quando pendurarmos as rezas, é decisivo e leva jeito de ser desleal. Vemos políticos decadentes e reincidentes, que não resistiriam a um tira-teima. Muitos passes são negociados na alcova. Apesar da bacanal partidária, a realidade da eleição se limita, no fundo, a dois times: situação e oposição. Os titulares querem decidir tudo logo. O pessoal no banco luta por uma semifinal e uma final. O mata-mata deverá dividir o país.

Por mais que o brasileiro goste de Felipão, de seu ar bonachão e suas fanfarronadas, o eleitor consciente não quer um presidente que diga, como ele: “Gostou, gostou; não gostou, vai para o inferno”. Felipão deu essa declaração na quinta-feira para jornalistas, na véspera do confronto com a Colômbia. Felipão sempre reagiu mal a críticas à escalação ou a seu estilo. Dias antes, chamara só alguns jornalistas amigos para dar entrevista. “Aqueles que não foram convidados, é talvez porque eu não goste tanto”, afirmou Felipão. Ele criticou a imprensa e deu umas cutucadas ferinas, sem citar o nome, em seu antecessor, Mano Menezes. Só faltou lamentar a herança maldita.

A Copa melhorou o humor nacional. Não se respira nada a não ser futebol, e o brasileiro vai para os bares torcer pelas zebras simpáticas. Não há a mais pálida lembrança do caos previsto nos aeroportos ou nos estádios, só reclamações periféricas de obras incompletas, filas e falta de comida. No Rio de Janeiro, as maiores armas não são fuzis ou metralhadoras, mas coxinhas de frango, rodízio de churrasco, caipirinhas, sol e telão na praia, namoros em vários idiomas, feijoada e petiscos nas favelas. Em que próxima oportunidade as cariocas verão tantos homens juntos, animados e disponíveis? Talvez em 2016.

Nossa maior tragédia, até a semana passada, era a queda de um “viaduto da Copa” em Belo Horizonte, com mortes. E a ação criminosa de cambistas. A gangue mais poderosa, suspeita a polícia, envolve um funcionário estrangeiro da Fifa. Muito free-lancer vende ingressos descaradamente nas redes sociais, por uma fortuna. Durante uma semana, tentei em vão comprar oficialmente um ingresso no site da Fifa para assistir ao jogo Alemanha e França no Maracanã. Uma amiga no Facebook disse que tinha um amigo “repassando ingressos”. Entrei em contato. Ele queria R$ 3.500 pelo ingresso de R$ 660, “sem sol nem chuva”. Sério, a quem apelar?

Entre a Copa e a eleição, teremos pouco tempo para debater nossos desafios e entender como cada partido pretende escalar os times de governo. Algumas semelhanças os políticos têm com a Seleção. Falta meio de campo. Os partidos se concentram no ataque e na defesa, abusam de passes errados. Falta conjunto, sentimento de equipe. Talentos individuais não mudam o rumo do Brasil. O desespero faz o capitão do time (ou a capitã) se esconder, com medo de falhar na frente de todos e bater para fora. Líderes de partidos dão chutões para a frente, sem saber onde a Brazuca vai parar.

Dá vontade de dizer que jogar limpo e cadenciado, com criatividade, honestidade e objetivos concretos, para todo o povo levar vantagem, talvez credenciasse nossos políticos a ganhar um voto de coração, orgulho e consciência. Do jeito como anda nossa política, ela desperta vaia, indiferença ou idolatria. Todos esses sentimentos conduzem à derrota do Brasil nos próximos quatro anos.

Como atrair os eleitores juniores, se a maior novidade recente do Congresso foi o implante capilar de Renan Calheiros? Como recuperar a confiança no exercício da política, se as promessas são sistematicamente quebradas, como se nosso voto fosse para cambistas? Os gols contra do Brasil são péssimos serviços públicos, corrupção em todos os níveis de governo, assaltos seguidos de morte em qualquer lugar e hora, infraestrutura precária, inflação alta, crescimento baixo e aumentos indiscriminados. Os planos de saúde há 11 anos sobem mais que a inflação e terão reajuste de 9,5%, o maior desde 2005. Esse é o verdadeiro mata-mata brasileiro.

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