À VOVÓ

Seis horas...Ave Maria!
Cabelos branquinhos...olhar sereno da vovó!
A calma da tarde, morna e doce como uma carícia, cerca-a no ambiente íntimo de uma mansão ou na insipidez de um barraco.
Rica ou pobre. Uma poltrona ou um banquinho sustentam seu corpo cansado, arqueado ao peso dos anos...
Mas é a mesma vovó! Ao redor, a solidão...Nos olhos, a visão de mil coisas, nas mãos, a saudade de outros dedos...nas faces enrugadas, a lembrança de mil beijos...na boca, o amargor de algums derrotas...nos cabelos...ah! nos cabelos, a prata com que o tempo lhe presenteou; na alma, a certeza do dever cumprido.
E você espera, vovó!

E o relógio que marcou seu tic-tac quase enlouquecedor, continua a marcar as horas de sua vida.
O mesmo relógio que marcou as horas de tantas passagens alegres e tristes!
Engraçado, como o relógio acompanha a vida da gente!
E você espera! Já está acostumada a esperar. Com tudo  a gente se acostuma; até mesmo à agonia da espera.
Mas falemos do momento. O relógio continua....Sao seis horas... a hora do ângelus!
Você liga o rádio e escuta a música que vem chegando de mansinho, de longe, para acompanhar suas orações, seus sonhos, suas lembranças...sua oração da tarde... de todas as tardes! A mesma música que voce escuta há tanto tempo, desde os tempos de mocinha, quando então voce esperava entre suspiros...doces suspiros de amor...
E você sonha! Sonha sonhos já sonhados e vividos. Retalhos de sua existência!
Trechos que os anos levaram impiedosamente, destruindo, esmagando, escondendo na poeira da longa estrada, passando por chuvas e tempestades...
E a música lhe traz tantas lembranças...
Ah! Inverno da vida!
E nessa fase de agitações, você tem tanto a ensinar à gente!
Mas não insiste porque sabe que não compreenderemos. Sim! Pensamos que sabemos tudo.
No entanto, de vez em quando, sentimos essa vontade de ouvir suas palavras, serenas e cheias de tantas verdades, porque vemos nos seus cabelos brancos, um mundo  que ainda não vimos: a vida que ainda temos pela frente.
Por isso hoje, nos veio essa vontade incontrolável de falar com você e dizer-lhe que, embora não entendamos a linguagem do passado, ela é muito importante para nós. Um espelho em que devemos nos mirar, para conhecermos melhor o futuro. E mais...Hoje vimos pedir a Deus por você. Para você que tanto tem pedido por nós!
Que Deus lhe dê sempre o verão dos seus, traduzido em compreensão, carinho e amor, nesse inverno tranquilo de sua vida, para que tenhamos por muito tempo ainda, a bênção de sua mão tremula, é verdade, mas amiga.

Agora...agora são mais de seis horas, vovó. Descanse e continue sonhando tudo de bom que lhe rondou a  vida. As amarguras e derrotas, deixe de lado.
Chega de preocupações! Sonhe e reviva na saudade que só você sabe sentir!
Sempre! Continue sonhando, que vamos rezar por você agora...
Ave Maria...