uma visão sob o aspecto da Justiça Militar estadual
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O militar “em situação de atividade” pode ou não se encontrar em serviço ou em função de natureza militar, pois a intenção do legislador é manter os militares sob as rígidas normas de conduta e princípios militares durante todo o tempo que estiverem na condição de servidores ativos.
Resumo: A Constituição Federal de 1988 (CF/88) conferiu à Justiça Militar competência para processar e julgar os crimes militares previstos em lei. Neste sentido, recepcionado pela nova Carta Constitucional, o Decreto - Lei nº 1.001/1969 - Código Penal Militar (CPM), calcado na hierarquia e disciplina, apresenta-se como o complexo de normas jurídicas destinado a assegurar a realização dos fins a que se destinam as Organizações Militares. O CPM elenca um rol taxativo de crimes militares e no seu art. 9º, incisos I, II e III, apresenta as condutas típicas, consideradas crimes militares em tempo de paz. No inciso I, trata do crime propriamente militar, no inciso II, trata da hipótese em que o militar em atividade comete crime contra militar na mesma situação e no inciso III, trata do militar inativo como agente de crime militar. Contudo, recentes acórdãos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vêm apresentando uma interpretação inovadora da alínea “a” inciso II, do art. 9º do CPM. Segundo o STJ, para configuração deste crime militar é necessário analisar se o agente estava em atividade militar; entendendo que a expressão “em atividade”, prevista naquele dispositivo legal, designa a situação em que o militar encontra-se fardado e/ou em serviço. Com a devida vênia, reputamos que é equivocada a interpretação do STJ, pois esvazia o sentido normativo do Código Penal Militar.
PALAVRAS CHAVE: Competência da Justiça Militar. Código Penal Militar. Crimes militares. Condutas típicas. Em atividade. Ativa. Esvaziamento do sentido normativo
SUMÁRIO: Introdução; 1. Breves Considerações sobre o crime militar em tempo de paz; 2. Espécies de crime militar; 3. Análise do art. 9º, inciso II, alínea “a” do CPM; 4. O Artigo 9º, inciso II, alínea “a” à luz do STJ; Conclusão.
INTRODUÇÃO
Aos militares, única classe de servidores públicos que juram sacrificar sua vida em prol da Ordem Pública, a CF/88 assegurou o direito de serem processados e julgados por uma justiça especializada, denominada Justiça Militar. No Brasil a Justiça Militar é composta por duas espécies, a Justiça Militar da União, que tutela os valores das Forças Armadas do país e as Justiças Militares Estaduais, que tutelam os valores afetos às Polícias Militares e aos Corpos de Bombeiros Militares.
Importante salientar que o art. 125, §4º, da CF/88 atribui às Auditorias Militares a competência para julgar apenas militares estaduais. Diferente do mandamento constitucional do artigo 124 da CF/88, que estabelece a competência da Justiça Militar federal em julgar os crimes militares, seja o agente um civil ou um militar.
Seguindo este mister, e recepcionado pela Nova carta Constitucional, o Decreto-Lei nº 1.001/1969 - Código Penal Militar (CPM), calcado na hierarquia e disciplina, elenca em seus artigos 9º e 10º um rol taxativo de crimes militares, respectivamente tratando de crimes militares em tempo de paz e crimes militares em tempo de guerra.
Como dito, o art. 9º, apresenta em seus incisos I, II e III as condutas típicas, consideradas crimes militares em tempo de paz, ou seja, no inciso I, trata do crime propriamente militar, no inciso II, trata da hipótese em que o militar em atividade comete crime contra militar na mesma situação e no inciso III, trata do militar inativo como agente do crime militar.
Neste sentido, o objetivo deste trabalho é estudar e identificar a melhor interpretação da alínea “a”, inciso II, do art. 9º, comparando-a ao entendimento do STJ, à norma propriamente dita, à doutrina majoritária e, ao final, demonstrar o esvaziamento do sentido normativo do CPM face aos recentes acórdãos do STJ que, data vênia, não estão em sintonia com a inteligência do legislador originário.
1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME MILITAR EM TEMPO DE PAZ
Conforme o disposto nos arts. 42 e 142 da Constituição Federal de 1988, a hierarquia e a disciplina são preceitos basilares das Forças Armadas e das Forças Auxiliares, responsáveis pela manutenção da ordem e da segurança pública. Neste sentido, quando se fala em legislação militar, os interesses do Estado e das Instituições Militares se convergem na proteção da hierarquia e disciplina, consideradas como princípios elementares de caráter fundamental. Assim, valores como patriotismo, civismo, profissionalismo, lealdade, constância, honra, honestidade e a coragem, são de máxima importância às instituições militares e, por isso, devem se fazer presentes em todo comportamento militar.
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Na conceituação dos crimes militares a norma constitucional brasileira, desde a Constituição de 1946, adota o critério ratione legis e, na Constituição Federal de 1988, o critério se tornou ainda mais acentuado, In verbis:
A Constituição Federal de 1988[...]Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei. (grifo nosso)Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência da Justiça Militar.[...]
Desta forma, no Brasil, os crimes militares definidos em lei estão descritos nos artigos 9º ou 10º do Código Penal Militar, que elencam as situações e condições que caracterizam a conduta como crime militar em tempo de paz e em tempo de guerra. Portanto, para considerarmos um crime como crime militar, além da ação estar tipificada no CPM, deve-se considerar se o país está ou não em estado de guerra.
2. ESPÉCIES DE CRIME MILITAR
Doutrinariamente, os crimes militares se dividem em crimes militares próprios e crimes militares impróprios. Os Crimes propriamente militares são aqueles cuja prática não seria possível senão por militar, pois a qualidade do agente é essencial para que o fato delituoso se verifique. Na lição de Esmeraldino Bandeira, crime militar próprio é aquele que “só o soldado pode cometer”, ou seja, é aquele que só está previsto no Código Penal Militar. Por outro lado, o crime militar impróprio é aquele que possui capitulação no Código Penal Militar e no Código Penal Comum, podendo figurar como agente um civil ou militar.
A divisão acima demonstrada se deve, em virtude da existência de delitos militares exclusivos na lei penal militar que, quando cometidos por civis, tornam-se, em crimes impropriamente militares. Contudo, não basta que ocorra a subsunção do fato à norma típica, é necessário verificar se o fato encontra subsunção em algum dos delitos previstos no CPM para, assim, interpretar se as circunstâncias que envolvem o delito amoldam-se aos critérios previstos nos incisos I, II e III do artigo 9º.
Conforme MIRABETE (1989, p. 137) é sempre árdua a tarefa de distinguir se o fato é crime comum ou militar e, no que se refere ao crime impropriamente militar, são várias as interpretações, tendo em vista que no crime militar impróprio há uma ofensa civil que assume feição de militar por ser cometido por militar.
Assim, no crime impropriamente militar, faz-se necessário verificar a condição militar do autor, a espécie militar do fato, a natureza militar do lugar ou a anormalidade do tempo em que é praticado o crime. Além disso, é necessário saber se o fato acarretou dano à segurança, à economia, ao serviço, à disciplina das instituições militares e se lesionou os interesses sociais confiados à administração militar.
Em suma, o crime impropriamente militar é um crime “comum” cujas circunstâncias alheias ao elemento constitutivo do fato as transformam em um crime militar e, diante disso, deve ser tipificado à Luz do CPM e julgado por uma justiça especial (Justiça Militar), único Ente capaz de entender o grau de ofensividade gerado pela conduta.
Segundo CAVALCANTI (1994, p. 32), nos crimes militares, uma jurisdição especial deve existir, não como privilégio dos indivíduos que os praticam, mas como uma jurisdição atenta à natureza desses crimes, às necessidades, ao bem da disciplina, com uma repressão pronta e firme, com suas fórmulas sumárias.
3. ANÁLISE DO ART. 9º, INCISO II, ALÍNEA, “A” DO CPM
Quando nos debruçamos a estudar o Código Penal Militar verificamos que no art. 9º estão os pontos que apresentam as maiores controvérsias a respeito da definição do crime militar, principalmente no que se refere ao inciso II, alínea, “a” do CPM, que trata de militar em situação de atividade contra militar na mesma situação, vejamos:
Decreto-Lei nº 1.001/1969 - Código Penal Militar
Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:[...]II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; (grifo nosso)[...]
Nota-se que para a configuração deste crime exige-se que o sujeito ativo e passivo estejam na condição de militar da ativa. Ocorre, que alguns acórdãos do STJ não entendem desta forma e protestam pela descaracterização do crime militar quando o agente não encontra-se fardado e de serviço.
Com este entendimento o STJ deixa de considerar que, de folga, de serviço, sem farda ou fardado, o militar da ativa ainda estará em atividade e sujeito às lei militares, bem como adstrito a um comportamento alinhado à hierarquia e disciplina militar. Conforme o disposto nos arts. 42 e 142 da Constituição Federal de 1988, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 18/98, a hierarquia e a disciplina são preceitos basilares das Forças Armadas e das Forças Auxiliares, responsáveis pela manutenção da ordem e da segurança pública.
4. O ART. 9º, INCISO II, ALÍNEA, “A” DO CPM À LUZ DO STJ
Recentemente, o STJ1 reconheceu a incompetência da Justiça Militar em um processo, onde um Cabo da Polícia Militar de Minas Gerais, da ativa e de folga, foi acusado de tentativa de homicídio qualificado contra uma guarnição comandada por um 3º Sargento da PM. A ação criminosa do cabo (subordinado ao sargento) tinha como finalidade assegurar a impunidade em outro crime que havia cometido.
A decisão reconheceu a incompetência da Justiça Militar, anulou a ação penal desde o recebimento da denúncia e determinou a remessa do processo à Justiça comum de Minas Gerais, entendendo que não houve a adequação do fato às hipóteses definidas no art. 9º do CPM, uma vez que a conduta delituosa foi praticada por um militar sem farda e fora de serviço.
Segundo o STJ, se a conduta delituosa foi praticada por militar sem farda e fora de serviço, a ação não pode ser considerada crime militar. Com a devida vênia, não é o que se depreende da inteligência do CPM, vejamos:
Código Penal MilitarArt. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:I - [...]II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; (g.n)[...]
Nota-se que expressão “em situação de atividade” é equivalente às expressões “na ativa”, “da ativa”, “em serviço ativo”, “em serviço na ativa”, “em atividade” e “em atividade militar”. A doutrina majoritária nos dá respaldo para esta interpretação, vejamos:
LOREIRO NETO (2001. p.36), leciona que militar em situação de atividade é o militar ainda no serviço ativo, esteja ou não “em” ou “a” serviço, fardado ou não, e que pratique crime contra outro militar na mesma situação.
Afirma LOBÃO (2006, p. 120), que militar em situação de atividade é o incorporado às Forças Armadas, à Polícia Militar, ao Corpo de Bombeiros, para neles servir em posto, graduação ou sujeição à disciplina militar. Segundo o ilustre professor, o CPM declara no art.22 quem é considerado militar para efeito da lei penal castrense.
Nos dizeres de o ASISIS (2007, p. 42), que a inatividade do militar é determinada com transferência dele para a reserva ou reforma e que crime militar é toda violação acentuada ao dever militar e aos valores das instituições militares.
De todo o exposto não nos resta dúvidas que a expressão “em atividade”, demonstrada na alínea “a” do inciso II do CPM, se contrapõe à inatividade e não faz qualquer inferência de prestação de serviço militar, ou seja, a exigência do agente estar em serviço, no policiamento, em escolta, em vigilância ou em qualquer outra função militar.
Ademais, os preceitos constitucionais e legais não comportam dúvidas e asseveram que compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes militares definidos em lei e a conduta está perfeitamente tipificada no artigo 9ª do CPM, não restando, portanto, margem de outra interpretação. Segundo Marcelo Weitzel Rabello de Souza2, a razão para tal entendimento é simples: o CPM elenca os crimes militares anunciados pela Constituição Federal como fundamentais para a proteção ao organismo militar e, portanto, merece respeito sua efetiva aplicação.
Alem de tudo isso, é cediço que o militar só pode estar em duas condições3: ativo ou inativo, nesta última enquadrando-se como reservista ou reformado. Ressalta-se que militar na ativa é aquele que está no exercício de suas funções; militar da reserva é aquele que deixa o serviço ativo e está sujeito à reversão; reforma é a situação do militar definitivamente desligado do serviço ativo.
Diante de todo o exposto não nos parece haver dúvida de que militar “em situação de atividade” pode ou não se encontrar em serviço ou em função de natureza militar, pois a intenção do legislador está no sentido de manter os militares sob as rígidas normas de conduta e princípios militares durante todo o tempo que estiverem na condição de servidores ativos do serviço militar.
CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1988 incumbiu ao Superior Tribunal de Justiça (art. 105 da CF) a tarefa de fornecer a correta interpretação da legislação federal. Contudo, entendemos que a função uniformizadora desempenhada pelo STJ deve observar atentamente o contexto significativo da lei. A questão relativa à conexão de significado da lei não pode desligar-se completamente da questão relativa ao sentido literal apresentado, ou seja, a conexão do significado da lei só é compreensível quando se tomam em consideração os fins pretendidos da regulação (CPM).
Acreditamos que, para evitar contradições de valoração, é necessário orientar a interpretação do CPM aos princípios ético-jurídicos, bem como guardar consonância com os princípios da hierarquia e disciplina bases das organizações militares.
Reputamos que o entendimento do STJ, quanto à interpretação da alínea “a” do inciso II do CPM, distancia-se do sentido normativo do Código Penal Militar e choca-se com a redação do art. 124 da CF/88, que assegura a competência da Justiça Militar em processar e julgar os crimes militares definidos em lei (Código Penal Militar).
Não nos resta dúvida, portanto, que o militar da ativa que comete um ilícito penal capitulado no CPM, atenta diretamente contra bens jurídicos militares diversos do crime comum, quais sejam: o respeito à dignidade da pessoa humana, o patriotismo, o civismo, o profissionalismo, a lealdade, a constância, a verdade real, a honra, a honestidade e a coragem, princípios que dão a máxima eficácia às instituições militares e, por isso, devem ser incólumes.
Assim, é de suma importância que tais crimes sejam julgados por quem conheça, intimamente, os fatores inerentes à sua função, ou seja, os riscos, os elementos psicológicos e culturais, os aspectos técnicos, os aspectos operacionais e os fatores criminógenos devem ser sopesados e submetidos a um regime jurídico próprio e específico baseado nos princípios de hierarquia e disciplina.
Sem esgotar o assunto, concluímos, entendendo que a aludida interpretação do STJ encontra-se divorciada da intenção do legislador originário, contra a doutrina majoritária e esvazia significativamente do sentido normativo pretendido pelo Código Penal Militar.
Leia mais: http://jus.com.br/artigos/28381/esvaziamento-do-sentido-normativo-do-codigo-penal-militar-em-face-dos-acordaos-do-superior-tribunal-de-justica#ixzz31tvkAvRU
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